Glenn Close vira macho pelo Oscar

sexta-feira, 16 de setembro de 2011



TORONTO Com a exibição de “Albert Nobbs”, Glenn Close provou ao Festival de Toronto que pode ser mais macho que muito homem. No filme, adaptado de uma peça que Close estrelou no início dos anos 1980 – antes mesmo de se popularizar como estrela de cinema – , Close interpreta uma mulher que, em plena Irlanda do século 19, desafia todas as convenções ao se trajar como homem e assumir o emprego de mordomo. Tão convicta na nova identidade do Sr. Nobbs, ela não deixa transparecer a verdade sobre o seu sexo para ninguém além de si mesma.
Os presentes no Festival de Toronto se impressionaram, mas a performance tem ambições ainda maiores: não há lista de previsão para a próxima edição do Oscar que não inclua Close como garantida entre as indicadas. Caso a ambição se concretize entre a crítica americana – e entre uma boa parcela do público também – , esta será a sexta indicação da carreira de Close, que cravou cinco nomeações nos anos 1980, mas passou as décadas seguintes pouco evidenciada no cinema (em compensação, voltou-se para a Broadway e para a televisão e conquistou os prêmios mais expressivos das modalidades – incluindo dois prêmios Emmy pela série dramática “Damages”, que protagoniza atualmente).

Consagrar Close por “Albert Nobbs” parece tão sensato quanto adequado. Ela estrelou a peça em 1982, aos 35 anos, pouco após estrear nos cinemas em “O Mundo Segundo Garp”. O papel não lhe pareceu tão agradável a princípio. “Saí no meio do teste”, relembrou-se Close. “Parei de ler e disse para a banca: ‘Estou meio entediada, então devo estar entediando vocês’”, contou a atriz. Pelo contrário: os produtores da montagem teatral imploraram para que ela retornasse. O que de fato aconteceu, depois de alguns conselhos do amigo Kevin Kline (“A Escolha de Sofia”), que apresentou Close ao técnico de atuação Harold Guskin. Sob a orientação de Guskin, Close arrebatou com sua interpretação e se tornou tão próxima do personagem e da história que passou os próximos 30 anos empenhada em levá-los para o cinema.
“Fiquei estarrecida pela forma como essa história tão simples devastava a plateia noite após noite. Albert é um personagem incomum, ingênuo, sem qualquer traço de auto-piedade, e torna-se um espelho para as outras pessoas”, disse Close, visivelmente motivada pela paixão ao projeto. “Albert te faz pensar quem você é e o que você quer da vida”, completou a atriz.

Ela comprou prontamente os direitos da peça. Não suspendeu os planos futuros, mas deixou “Albert Nobbs” no gatilho. A versão que se concretizou tem a própria Close como uma das roteiristas e produtoras. Rodrigo Garcia (de “Questão de Vida” e de várias séries dramáticas da HBO), assina a direção. “Foi um conceito difícil de vender”, comentou Close, quando indagada sobre a demora para tirar o projeto do papel. “Eu entrava no escritório de um produtor e ouvia em resposta: ‘Você fazendo um homem?’”, recordou. Ela garante, porém, que não se ressente pelas recusas constantes. “Sabia que seria difícil encontrar uma pessoa ou um grupo de pessoas que confiassem no talento e na nossa visão”, admitiu a atriz.
Quando as circunstâncias foram finalmente favoráveis e Close se viu no set no primeiro dia de filmagens, completamente caracterizada como Albert, foi difícil conter a emoção. “Me olhei no espelho e desatei a chorar”, confessou. Uma reação que, para uma atriz de tamanha experiência, não é pouca coisa.

Ao encenar “Albert Nobbs” nos palcos, a atriz tinha 35 anos e era conhecida somente no cenário nova-iorquino. A demora para transpor a história aos cinemas, afinal, pode ter sido favorável: se realizado no início dos anos 1980, Close poderia ter perdido o papel para uma atriz mais popular, e não teria incutido no personagem toda a sua vivência. “O meu repertório de mais de 30 anos como atriz me muniram de cada aspecto que eu coloquei no Albert”, ela declarou. “E quanto mais tempo se passava, mais eu tinha que provar para mim mesma que ainda era certa para o papel”, reconheceu.
As recordações do teatro só lhe serviram até certo ponto: o Albert que aparece na tela é diferente do que agraciou os palcos 30 anos atrás. “O teatro é como um grande plano aberto, enquanto o cinema capta direto a sua alma”, refletiu Close, sobre as diferenças na abordagem. Muitas coisas, porém, permaneceram as mesmas. Em 30 anos, a sociedade não evoluiu o suficiente para tornar irrelevante a discussão proposta por “Albert Nobbs”.

“Acredito que o direito dos gays e das pessoas com problemas mentais são os últimos grandes problemas a serem solucionados”, disse Close, uma ativista ferrenha da causa – mesmo que ela própria não seja lésbica. E a experiência de dar voz a essas questões foi igualmente gratificante. “Foi um privilégio interpretar Albert. Há algo nobre e de partir o coração sobre ela. Ela tem uma crença inabalável, e você tem que amar alguém que acredita tanto assim: mesmo se a pessoa não é bem-sucedida, você tem que respeitar a tentativa”, declamou Close, fazendo uso do pronome feminino para falar do personagem.
Essa confusão de gêneros, aliás, é tão bem vista pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas quanto as nuances mais profundas do talento da atriz: ao longo de sua história, o Oscar reconheceu uma porção de atores em papeis similares – de Gwyneth Paltrow, que se traveste para estudar teatro em “Shakespeare Apaixonado” (1998), a Linda Hunt, premiada por interpretar um homem em “O Ano Que Vivemos em Perigo” (1982) – foi premiada, curiosamente, em disputa com Close, que concorria naquela edição por “O Reencontro”.

A lista é extensa, entre indicados e premiados. Hilary Swank venceu todas os prêmios por interpretar uma garota com crise de identidade sexual no verídico e pesado “Meninos Não Choram” (1999); Felicity Huffman, da série “Desperate Housewives”, explorou facetas desconhecidas como um transexual em “Transamérica” (2005); Cate Blanchett escondeu os seios no papel de um dos alter egos de Bob Dylan em “Não Estou Lá” (2007); Julie Andrews revezou-se em duas versões em “Victor/Victoria” (1982). Do lado dos homens, Jack Lemmon e Dustin Hoffman se travestiram em nome do humor em “Quanto Mais Quente Melhor” (1959) e “Tootsie” (1982), respectivamente. E Jaye Davidson, de fato um travesti, concorreu por uma surpreendente aparição em “Traídos Pelo Desejo” (1992).
Ao que tudo indica, Close engrossará essa seleção em breve. Enfrentará uma concorrência pesada pela estatueta – a recordista de indicações Meryl Streep vem com tudo no papel da Primeira Ministra inglesa Margaret Tatcher em “The Iron Lady”, e a grande Viola Davis já ganhou o coração do público por interpretar uma empregada discriminada no sucesso de bilheteria “Vidas Cruzadas”. O que dirá o envelope do Oscar, porém, parece importar pouco para a atriz. O (não tão) simples fato de transformar “Albert Nobbs” em filme já é recompensa suficente.

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