Meia Noite em Paris é o filme mais sonhador de Woody Allen

quinta-feira, 23 de junho de 2011



Em “Conversas com Woody Allen”, compilação de entrevistas que o jornalista Eric Lax fez com o cineasta entre 1971 e 2009 (e ainda em progresso), Woody Allen manifesta em diversas ocasiões a sua repulsa em filmar longe de casa. “Só filmo em Nova York porque sou preguiçoso e porque é conveniente para mim. Gosto de comer nos meus restaurantes favoritos e dormir na minha cama”, diz em certo momento, após louvar a realização de seu primeiro título londrino, o bem sucedido “Match Point”.
A partir de “Match Point” (2005), Allen iniciou um namoro europeu que deu uma guinada em sua carreira. Foram quatro filmes em Londres (“Match Point”, “Scoop”, “O Sonho de Cassandra” e “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos”) e um na Espanha – “Vicky Cristina Barcelona” (2008), que conseguiu superar o êxito comercial de “Match Point” (US$ 96 milhões de renda do espanhol contra US$ 85 milhões do britânico – recordes da carreira do cineasta) – contra apenas um filme rodado nos EUA, “Tudo Pode Dar Certo” (2009).

Esse cinema de turismo (closes em locais famosos, a cidade como personagem), que já foi condenado por alguns (Allen se defende dizendo que é mais barato filmar na Europa do que nos Estados Unidos), volta a ser foco do cineasta em “Meia Noite em Paris”, que – como apresenta o título – tem a Cidade Luz como inspiração para uma comédia poética estrelada por Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, Salvador Dalí e outros tão bem cotados quanto.
Owen Wilson é o Woody Allen da vez (assim como o foi Kenneth Branagh em “Celebridades”, Will Ferrell em “Melinda e Melinda” e John Cusack em “Tiros na Broadway” – a lista continua) e parece à vontade no papel de um roteirista de Hollywood desiludido com a indústria, prestes a se casar com a bela Inez (Rachel McAdams) enquanto burila seu primeiro romance. O casal está em Paris acompanhando os pais da noiva em um negócio, e Gil (Owen) se derrete em amores pela cidade enquanto Inez se deixa seduzir por um amigo (pedante e) casado.

Apesar de filmar em Paris tendo a primeira-dama francesa Carla Bruni fazendo uma ponta de luxo (e altamente dispensável), Woody Allen não perde a oportunidade de brincar com os mitos parisienses – a garota charmosa de dentes separados, os franceses que não falam com você se você os interpela em inglês, a boa comida e o bom vinho – e até se dá ao luxo de fazer um raro comentário político (sobre a até hoje azeda questão Iraque – a França foi ativamente contra a invasão norte-americana).
Porém, comédia e política são apenas distrações em “Meia Noite em Paris”. Inspirado pela noite iluminada e encantadora da Cidade Luz (não à toa, um quadro famoso de Van Gogh estampa o cartaz gringo do filme), Woody Allen dirige uma poesia que ousa levar seu personagem principal para uma viagem no tempo (nos moldes de “A Rosa Púrpura do Cairo”), ao encontro de nomes sagrados do imaginário artístico, visando defender uma premissa cara ao cineasta: nada de saudosismo, o melhor dos mundos é o aqui, o agora.

“Meia Noite em Paris” é uma declaração de amor à Paris de todas as épocas (de Toulouse-Lautrec a Pablo Picasso, de Luis Buñuel a Carla Bruni) e talvez seja a película mais sonhadora que Woody Allen escreveu em 40 anos.
Ele abre o filme focando pontos da capital francesa (tal qual Richard Linklater na abertura de “Antes do Por-do-Sol”), se distrai em cena com grandes atores em papéis menores (Michael Sheen, Kathy Bates, Marion Cotillard, Adrien Brody) e fecha com uma chuva que surge para embalar uma reviravolta pessoal, enquanto confirma uma máxima que quem conhece a capital francesa pode confirmar – a cidade como personagem: Paris fica linda na chuva.

A grande suavidade (sem um contraponto) do filme talvez seja seu único ponto fraco – e o que o diminuiu em comparação com “Vicky Cristina Barcelona” e, principalmente, “Match Point”, dois filmes mais tensos. Woody Allen concentrou-se na melodia das ruas parisienses (ou no que ele imaginava ser a melodia dos anos 1920), mas limou as arestas emocionais para filmar uma história que permite ao personagem (e ao espectador) viajar sem culpa através do tempo – para no final cortar-lhe delicadamente as asas.
O resultado é um longa-metragem que faz sonhar enquanto avisa: não sonhe tanto. O veneno como antídoto: um bom ponto de partida para um filme bonito e delicado.

http://pipocamoderna.mtv.uol.com.br/?p=89733

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